Centro Sapiens, Capitalismo Selvagem

Está em curso um processo de higienização social e gentrificação do centro histórico de Florianópolis. Gentrificação é um termo que pode ser traduzido como o aburguesamento ou “gourmetização” de uma região da cidade como consequência de ações que aumentam o custo de vida no local, afastando antigos moradores e frequentadores.

Banner do Coletivo Santa Cecília SEM Minhocão, publicação Cidade para as pessoas ou para as empresas?

A reforma do Mercado Público com custo de R$ 10,7 milhões é uma das primeiras peças deste projeto iniciado pelo ex-Prefeito Cezar Souza Jr. (PSD) em 2015, o mesmo que queria entregar a simbólica Ponta do Coral para a Hantei construir seu gigantesco hotel-marina. A reforma elitizou o local e diminuiu o seu caráter popular com lojas, bares e restaurantes fora do contexto cultural e mais caros.

Bobs do Mercado Público, Culinária Local?

As obras de revitalização do largo da alfandega que estão em curso com orçamento de R$ 8 milhões vão na mesma pegada. Percebam o uso da palavra “revitalização”, para trazer “nova vida” no local, palco tradicional de tantas manifestações políticas e também culturais como a Batalha de Alfandega que todas as quintas reúne jovens da periferia da cidade que ali duelam com ritmo e poesia (RAP), como narrado no documentário A Causa é Legítima: A Batalha da Alfândega é o Direito à Cidade.

Batalha da Alfândega, após repressão da Policia Militar
Projeto do novo Largo da Alfândega,

Mas a cereja do cupcake neste processo é o “Centro Sapiens”, um projeto de revitalização da área leste do Centro Histórico (novamente a palavrinha mágica) encabeçado em 2015 pelo Sapiens Parque em conjunto com a Prefeitura. O projeto pretende transformar a região em um polo de inovação e empreendedorismo e conta com a participação de entidades patronais como a CDL (Câmara De Dirigentes Lojistas) e a ACIF (Associação Comercial e Industrial de Florianópolis).

No mural, inspiração em Barcelona, Nova York e na “Cidade Pedra Branca” em Palhoça. O arame farpado não pode faltar.

Projetos como estes, inspirados em experiências “bacanas” como a do Vale do Silício nos EUA desconsideram estudos que destacam um panorama alarmante para a gentrificação associada ao setor de tecnologia e inovação: são 134 mil pessoas sem teto e duas décadas de gentrificação ocorrendo no estado da California que, sozinho, detém o 5º maior PIB do mundo. Problemas semelhantes ocorrem em países desenvolvidos como a Alemanha e Reino Unido, causando protestos dos moradores de bairros afetados por este empreendimentos.

(Arte de rua em Mission District, São Francisco, California. Créditos: torbakhopper)

Por aqui seria diferente? Nenhum grafite descolado, brechó chique ou hamburgueria vegana vai diminuir o impacto social causado pela especulação imobiliária na região.

Além disto, todas estes “projetos de revitalização” (Mercado Pública, Largo da Alfandega e Centro Sapiens) foram realizados sem qualquer debate com a população da cidade ou da região, com exceção dos setores que podem lucrar com eles e seus sócios políticos (nossos “representantes”). Nenhuma audiência pública, nenhum estudo sobre o impacto no aumento do custo de vida para as pessoas da região, nenhum diálogo com as manifestações culturais que já existem ali (como as batalhas de RAP, rodas de capoeira e de samba), e pior, nenhuma palavra sobre como a cidade vai lidar (e está lidando) com o dramático aumento no número de pessoas em situação de rua, afetadas pela crise geral em que o país se afunda.

Ser humano.

Pois bem, neste Domingo 20/01/19 para “celebrar essa conquista para nossa cidade” acontece o lançamento do “Square Lab – O Centro é a Nossa Praia” o primeiro “coworking a céu aberto do Brasil”, projeto do Centro Sapiens que vai levar um show da desconstruída banda “Francisco El Hombre” para o espaço entre a antiga Escola Antonieta de Barros e o Museu da Escola Catarinense. Levando muita gente questionadora e a esquerda festiva para o “Centro Sapiens” da cidade.

Pois bem, em tempos de cortes para tudo que é “social”, fica o questionamento de como o poder público vai lidar com “os indesejáveis” para este sonho californiano da “Capital da Inovação”. Fica aí um trechinho da música “Tá Com Dólar, Tá Com Deus”, da banda Francisco, El Hombre para dar a letra:

“Eita, fudeu
O dólar vale mais que eu
Vale mais que eu…”

Agora bora beber nossa cervejinha artesanal e cantar nossa canção de protesto, mas não sem esquecer alguns questionamentos:

Quem se beneficiará com estes projetos?
Quais os impactos na identidade cultural do local?
Quais os impactos para a vida dos ocupantes da região?
Que modelo de cidade queremos e qual o modelo de cidade o Capital quer empurrar para nós?

Por Carlos Alberto Silva Leminski
Coletivo Raiva Urbana

Para o Homem do Chifre, personagem icônico do centro de Florianópolis, quase enterrado como indigente em 2017.