Pacifistas e Radicais – um casal infernal

Trecho do livro “Aos nossos amigos e amigas”:

PACIFISTAS E RADICAIS – UM CASAL INFERNAL

Quarenta anos de contrarrevolução triunfante no Ocidente nos infligiram duas fraquezas irmãs, ambas igualmente nefastas, mas que juntas formam um dispositivo impiedoso: o pacifismo e o radicalismo.

O pacifismo engana e engana a si mesmo ao fazer da discussão pública e da assembleia o modelo acabado da política. É em virtude disso que um movimento como o das praças se vê incapaz de se tornar outra coisa que não um insuperável ponto de partida. Para compreender o que acontece com a política não há outra coisa a fazer senão desviar até a Grécia, mas desta vez até a antiga. Afinal de contas, foi ela que inventou a política. É algo que os pacifistas detestam lembrar, mas os gregos antigos inventaram a política de início como forma de continuar a guerra por outros meios. A prática da assembleia na escala da cidade provém diretamente da pratica da assembleia dos guerreiros. A igualdade no uso da palavra decorre da igualdade diante da morte. A democracia ateniense é uma democracia hoplita. Ali, só se é cidadão porque se é soldado; daí a exclusão das mulheres e dos escravos. Numa cultura tão violentamente agonística como a cultura grega clássica, o debate vê a si mesmo como um momento de confronto guerreiro, agora entre cidadãos, na esfera da palavra, com as armas da persuasão. Alias, “agon” significa tanto “assembleia” quanto “concurso”. O cidadão grego completo é aquele que é vitorioso pelas armas como pelo discurso.

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Sobretudo, os gregos antigos conceberam, no mesmo gesto, a democracia de assembleia e a guerra como carnificina organizada, e uma como garantia da outra. Aliás, a invenção da primeira só lhes é creditada na condição de ocultar seu elo com a invenção desse tipo tão excepcional de massacre que foi a guerra de falange – essa forma de guerra em linha que substitui a habilidade, a bravura, a proeza, a força singular, toda a manifestação de talento, pela disciplina pura e simples, a submissão absoluta de cada um ao todo. Quando os persas se viram diante dessa forma tão eficaz de conduzir a guerra, mas que reduz a vida do soldado da falange a nada, eles a consideraram, e com justiça, perfeitamente bárbara; da mesma maneira que fizeram, na sequência, tantos outros inimigos que ainda seriam esmagados pelos exércitos ocidentais. O camponês ateniense prestes a se fazer trucidar na primeira linha da falange de maneira heroica diante de seus entes queridos é a outra face do cidadão ativo tomando parte na Bulé. Os braços sem vida dos cadáveres estirados nos campos de batalha da Antiguidade são a contrapartida necessária dos braços que se levantam para intervir nas deliberações da assembleia. Esse modelo grego de guerra está ancorado tão poderosamente no imaginário ocidental que quase se esquece que, no exato momento em que os hoplitas atribuíam o triunfo àquela falange que ao invés de ceder aceita um número máximo de mortos no choque decisivo contra outra, os chineses inventavam uma arte da guerra que consistia justamente em reduzir as perdas, em fugir tanto quanto possível do confronto, em procurar “ganhar a batalha antes da batalha” – mesmo que isso significasse exterminar o exército vencido, uma vez obtida a vitória. A equação “guerra=confronto armado = carnificina” nasce na Grécia antiga e chega até o século XX: no fundo, é a definição ocidental aberrante de guerra há dois mil e quinhentos anos. Que denominem “guerra irregular”, “guerra psicológica”, ou “guerrilha” o que em outros lugares é a norma da guerra, eis mais um aspecto dessa aberração.

O pacifista sincero, aquele que não está procurando apenas racionalizar sua própria covardia, comete a façanha de se enganar duas vezes sobre a natureza do fenômeno que pretende combater. Não só a guerra não é redutível ao confronto armado nem ao massacre, como ela é a própria matriz da política de assembleia que ele defende. “Um guerreiro de verdade”, dizia Sun Tzu, “não é belicoso; um lutador de verdade não é violento; um vencedor evita o combate”. Dois conflitos mundiais e uma aterradora luta planetária contra o “terrorismo” nos ensinaram que é em nome da paz que se desenrolam as mais sangrentas campanhas de extermínio. No fundo, a rejeição da guerra só exprime uma recusa infantil ou senil em admitir a existência da alteridade. A guerra não é a matança, mas sim a lógica que regula o contato de potências heterogêneas. Ela é travada por todos os lados, sob inúmeras formas, e na maioria das vezes por meios pacíficos. Se há uma multiplicidade de mundos, se há uma irredutível pluralidade de formas de vida, então a guerra é a lei de coexistência nesta terra. E nada permite pressagiar o resultado do encontro de contrários: eles não habitam mundos separados. Se nós não somos indivíduos unificados dotados de uma identidade definitiva como a polícia dos papéis sociais desejava, mas sim o lugar de um jogo conflitual de forças cujas configurações sucessivas desenham equilíbrios provisórios, temos que reconhecer que a guerra está em nós – a guerra santa, dizia René Daumal. A paz não é possível nem é desejável. O conflito é a própria matéria daquilo que se é. Resta adquirir uma arte de como conduzir isso, que é uma arte de viver situacionalmente, e que supõe delicadeza e mobilidade existencial mais do que vontade de esmagar aquilo que não somos.

O pacifismo atesta, assim, ou uma profunda burrice ou uma completa má-fé. Mesmo o nosso sistema imunológico se baseia na distinção entre amigo e inimigo, sem a qual morreríamos de câncer ou de qualquer outra doença autoimune. Aliás, nós morremos de câncer e de doenças autoimunes. A recusa tática do confronto é ela mesma uma astúcia de guerra. Compreendemos muito bem, por exemplo, por que é que a Comuna de Oaxaca se autoproclamou pacífica de imediato. Não se tratava de recusar a guerra, mas de recusar ser esmagado num confronto militar com o Estado mexicano e seus escudeiros. Como explicavam os camaradas do Cairo: “Não devemos confundir a tática que empregamos quando cantamos a ‘não violência’ com uma fetichização da não violência.” De resto, quanta falsificação histórica é necessária para encontrar antepassados apresentáveis para o pacifismo! É como esse pobre Thoreau: foi só acabar de morrer que o transformaram num teórico de A desobediência civil, amputando o título de seu texto Resistência ao governo civil. Não tinha ele, no entanto, escrito com todas as letras em seu Um apelo em prol do capitão John Brown: “Acredito que finalmente os rifles e os revólveres Sharp foram utilizados por uma causa nobre. As ferramentas estavam nas mãos daqueles que podiam usá-las. A mesma cólera que outrora varreu o templo, irá varrê-lo de novo. A questão não é saber qual será a arma, mas o espírito com que ela é utilizada.” Mas o mais hilariante em matéria de genealogia falaciosa é, certamente, a transformação de Nelson Mandela, o fundador da organização de luta armada do ANC [Congresso Nacional Africano], num ícone mundial da paz. Ele próprio conta: “disse que o tempo da resistência passiva tinha chegado ao fim, que a não violência era uma estratégia inútil e não poderia jamais derrubar um regime de minoria branca decidido a manter-se no poder a qualquer custo. Ao fim e ao cabo, disse eu, a violência era a única arma que destruiria o apartheid e devíamos estar preparados para, num futuro próximo, usar essa arma. A multidão ficou excitada; os jovens, em especial, batiam palmas e gritavam cheios de entusiasmo. Estavam prontos a fazer o que eu dissesse, ali e naquele momento. Nessa altura, comecei a cantar uma canção de libertação, cuja letra dizia ‘Eis os inimigos, vamos pegar nas nossas armas e atacá-los’. Cantei essa canção e a multidão acompanhou-me, e quando terminou a canção apontei para a polícia e disse: ‘Ei-los, os nossos inimigos!’”

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Décadas de pacificação das massas e de massificação dos medos fizeram do pacifismo a consciência política espontânea do cidadão. Cabe a cada movimento, agora, lidar com este estado de coisas desolador. Na praça Catalunya em 2011, por exemplo, vimos pacifistas entregando manifestantes vestidos de preto à polícia, assim como em Gênova em 2001 vimos alguns “Black Blocs” serem linchados. Em resposta, os meios revolucionários segregaram, como anticorpos, a figura do radical – aquele que procura o oposto do cidadão em todas as questões. Ao banimento moral da violência num, o outro responde com sua apologia puramente ideológica. Enquanto o pacifista procura se abster do curso do mundo, permanecendo bom e não cometendo nada de mau, o radical se abstém de qualquer participação no “existente” através de pequenas ilegalidades enfeitadas por “tomadas de posição” intransigentes. Ambos aspiram à pureza, um pela ação violenta, o outro abstendo-se dela. Cada um é o pesadelo do outro. Não se sabe se essas duas figuras subsistiriam por muito tempo se uma não tivesse a outra em seu interior. Como se o radical vivesse apenas para estremecer o pacifista que há nele próprio e vice-versa. Não é por acaso que a Bíblia das lutas cidadãs norte-americanas desde os anos 1970 se intitule Rules for radicals, de Saul Alinsky. É que os pacifistas e os radicais estão unidos numa mesma recusa do mundo. Eles usufruem de sua exterioridade em qualquer situação. Ela deixa eles chapados, faz com que sintam uma sensação de excelência indescritível. Preferem viver como extraterrestres – tal é o conforto autorizado, por algum tempo ainda, pela vida das metrópoles, seu biótopo privilegiado.

Desde a derrota dos anos 1970, a questão moral da radicalidade substituiu a questão estratégica da revolução de maneira imperceptível. O que significa que a revolução sofreu o destino de todas as coisas nestes decênios: foi privatizada. Transformou-se numa oportunidade de valorização pessoal, em que a radicalidade é o critério de avaliação. Os gestos “revolucionários” já não são apreciados a partir da situação em que se inscrevem, dos possíveis que aí abrem ou fecham. Em vez disso, extrai-se de cada um deles uma forma. Tal sabotagem, feita em tal momento, de tal maneira, por tal razão, torna-se apenas uma sabotagem. E a sabotagem, enquanto prática carimbada como revolucionária, vai sabiamente inscrever seu lugar numa escala, em que o coquetel molotov se situa acima do lançamento de pedras, mas abaixo do tiro nas pernas, que por sua vez não vale o mesmo que uma bomba. O drama é que nenhuma forma de ação é revolucionária em si mesma: a sabotagem foi praticada tanto por reformistas como por nazis. O grau de “violência” de um movimento não indica em nada sua determinação revolucionária. Não se mede a “radicalidade” de uma manifestação por meio do número de vitrines quebradas. Ou, se se mede, então há que se deixar o critério da “radicalidade” àqueles cuja preocupação é medir os fenômenos políticos, colocando-os em sua esquelética escala moral.

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Quem quer que comece a frequentar os meios radicais se admira de início com o hiato que reina entre seus discursos e suas práticas, entre suas ambições e seu isolamento. Eles parecem como que condenados a uma espécie de autodestruição permanente. Não demora muito tempo para perceber que eles não estão ocupados em construir uma força revolucionária real, mas em alimentar uma corrida de radicalidade que satisfaz a si própria – e que se desenrola indiferentemente no terreno da ação direta, do feminismo ou da ecologia. O pequeno terror que aí reina e que torna o mundo todo tão duro não é o do partido bolchevique. É antes o da moda, esse terror que ninguém exerce pessoalmente, mas que se aplica a todos. Teme-se, nesses meios, deixar de ser radical, como do outro lado se teme deixar de estar na moda, de ser cool ou hipster. Precisa-se de pouco para manchar uma reputação. Evita-se ir à raiz das coisas em proveito de um consumo superficial de teorias, de manifestações e de relações. A competição feroz entre grupos, como também entre si, determina uma implosão periódica. Há sempre carne fresca, jovem e iludida para compensar a partida dos esgotados, dos traumatizados, dos enojados, dos esvaziados. Uma vertigem assalta a posteriori aquele que desertou desses círculos: como é que pudemos nos submeter a uma pressão tão mutiladora por questões tão enigmáticas? É o gênero de vertigem que deve tomar qualquer ex-executivo esgotado que virou padeiro ao se lembrar de sua vida pregressa. O isolamento desses meios é estrutural: entre eles e o mundo, a radicalidade foi interposta como padrão; já não percebem mais os fenômenos, apenas sua medida. Num determinado ponto de autofagia, vão competir por radicalidade através da crítica do próprio meio; o que em nada fere sua estrutura. “Parece-nos que o que realmente suprime a liberdade”, escrevia Malatesta, “e torna impossível a iniciativa, é o isolamento que produz a impotência”.1 Desse modo, que uma fração de anarquistas se autoproclame “niilista” é de todo lógico: o niilismo é a impotência de acreditar naquilo em que no entanto se acredita – no caso, na revolução. Donde não há niilistas, há apenas impotentes.

Ao se definir como produtor de ações e de discursos radicais, o radical acabou por forjar uma ideia puramente quantitativa da revolução – como uma espécie de crise de superprodução de atos de revolta individual. “Não percamos de vista”, escrevia Émile Henry, “que a revolução será a resultante de todas essas revoltas particulares”. A história está aí para desmentir essa tese: seja a revolução francesa, russa ou tunisiana, todas as vezes a revolução é a resultante do choque entre a situação geral e um ato particular – a invasão de uma prisão, uma derrota militar, o suicídio de um vendedor ambulante de fruta -, e não a soma aritmética de atos de revolta separados. Essa definição absurda de revolução está provocando seus danos previsíveis: esgotamo-nos num ativismo que não se enraíza em nada, entregamo-nos a um culto mortífero da performance, no qual se trata de atualizar a todo o momento, aqui e agora, a identidade radical – seja nas manifestações, no amor ou no discurso. Isso dura um tempo – o tempo de burnout [exaustão], de depressão ou de repressão. Sem que ninguém tenha mudado nada.

Se uma acumulação de gestos não chega a construir uma estratégia, é porque gestos não existem em absoluto. Um gesto é revolucionário não por seu conteúdo próprio, mas pelo encadeamento de efeitos que engendra. Não é a intenção dos autores, mas sim a situação que determina o sentido de um ato. Sun Tzu dizia que “é preciso exigir a vitória à situação”. Todas as situações são compósitas, atravessadas por linhas de força, por tensões, por conflitos explícitos ou latentes. Assumir a guerra que está aqui, agir estrategicamente pressupõe que se parta de uma abertura à situação, da compreensão de sua interioridade, do domínio das relações de força que a configuram, das polaridades que a trabalham. É pelo sentido que adquire no contato com o mundo que uma ação é ou não revolucionária. Atirar uma pedra nunca é apenas “atirar uma pedra”. É algo que pode congelar uma situação ou desencadear uma intifada. A ideia de que se poderia “radicalizar” uma luta pela importação de toda a tralha de práticas e discursos considerados radicais configura uma política de um extraterrestre. Um movimento só vive pela série de deslocamentos que opera ao longo do tempo. Ele é a todo o momento, portanto, certa distância entre o seu estado e o seu potencial. Se ele para de se deslocar, se ele abandona seu potencial por realizar, ele morre. O gesto decisivo é aquele que se encontra um passo à frente do estado do movimento e que, rompendo com o status quo, abre o acesso a seu próprio potencial. Esse gesto pode ser o de ocupar, de esmagar, de atacar, ou apenas o gesto de falar com verdade; é o estado do movimento que decide. É revolucionário aquilo que efetivamente causa uma revolução. Se isso é algo que não pode ser determinado antes dos fatos, certa sensibilidade às situações, junto a algum conhecimento histórico, ajuda muito a intuir.

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Deixemos a preocupação com a radicalidade aos depressivos, aos jovenzinhos2 e aos perdedores. A verdadeira questão, para os revolucionários, é fazer crescer as potências vivas das quais participam, de cuidar dos devires-revolucionários com o propósito de chegar enfim a uma situação revolucionária. Todos aqueles que se deleitam ao opor de maneira dogmática os “radicais” aos “cidadãos”, os “revoltados em ação” à população passiva, criam barreiras a tais devires. Nesse ponto, eles antecipam o trabalho da polícia. Atualmente, é preciso considerar o tato como a virtude revolucionária primordial, e não a radicalidade abstrata; e por “tato” entendemos aqui a arte de cuidar de devires-revolucionários.

Entre os milagres da manifestação no Vale de Susa, é preciso incluir o fato de ela ter arrancado um bom número de radicais da identidade que eles tão penosamente tinham forjado. Ela os fez voltar à terra. Ao retomar o contato com uma situação real, eles conseguiram deixar para trás boa parte de seu escafandro ideológico, atraindo, claro, o ressentimento inesgotável daqueles que permaneceram confinados nessa radicalidade intersideral na qual mal se consegue respirar. Isso certamente se deve à arte especial que essa luta soube desenvolver para evitar ser capturada na imagem que o poder lhe atribuía para melhor delimitá-la – seja como um movimento ecológico de cidadãos legalistas ou como uma vanguarda de violência armada. Alternando manifestações em família com ataques ao canteiro de obras do TAV, recorrendo tanto à sabotagem quanto aos prefeitos do vale, associando anarquistas e vovozinhas católicas, eis uma luta que ao menos isto tem de revolucionário, de ter sabido desativar o par infernal de pacifismo e radicalismo. “Viver de maneira política”, resumia um dândi Stalinista antes de morrer, “é agir em vez de ser agido, é fazer política em vez de ser feito e refeito por ela. É conduzir um combate, uma série de combates, fazer uma guerra, sua própria guerra com objetivos de guerra, com perspectivas próximas e longínquas, uma estratégia, uma tática”.

1Errico Malatesta, Escritos revolucionários. Trad. bras. de Plinio Augusto Coêlho. São Paulo: Hedra, 2015

2No original, jeunes-filles, literalmente, “raparigas”. No livro de autoria de Tiqqun, La théorie de la Jeune-Fille (Paris: Mille et une Nuits, 2001), a rapariga em questão é uma alusão à mulher-mercadoria, objeto de consumo, que vive na aflição de não ser comprada, encarnando a própria reificação. [N.E.]

Reflexões sobre a exigência de #EleiçõesDiretasJá dentro dos atos #ForaTemer

Reflexões sobre a exigência de #EleiçõesDiretasJá dentro dos atos#ForaTemer.

Penso que as manifestações de rua que estão acontecendo no Brasil todo com milhares de pessoas tem condições de exigir muito mais do que Eleições Diretas. Na história, os momentos em que conseguimos conquistas para o povo são quase sempre onde aqueles que detêm o poder sentem que precisam entregar alguns anéis para não perder os dedos. Então, acho que poderíamos começar a pensar numa pauta mínima que contemple os desejos evidentes nas manifestações de rua, que sejam exigências populares para pressionar candidatos numa eventual eleição:

1) Nenhum direito a menos: Suspensão imediata dos pacotes de maldades que jogam no lombo do povo a crise econômica, tais como a reforma trabalhista, reforma da previdência e a PEC241 que congela os investimentos públicos pelos próximos 20 anos.

2) Os ricos que paguem pela crise e pela ampliação dos direitos sociais: Taxação de grandes fortunas, impostos progressivos de acordo com a renda, redução do imposto sobre consumo e aumento de impostos sobre propriedade. Auditoria da dívida pública que entrega bilhões para bancos e especuladores

3) Desmilitarização das Policias: Fim da Polícia Militar e criação de regras para frear a repressão policial em manifestações. Fim da lei antiterrorismo.

4) Participação popular e democracia direta: Criação e ampliação de mecanismos de participação popular e formulação de politicas públicas por parte da população.

O momento é propício para mudanças. Debater publicamente sobre politica, sugerir mudanças, criar mecanismos e formas de fazer politica para além das urnas e da dita democracia representativa. Talvez algo muito maior que não caiba nesses 4 itens possa surgir, algo de fato revolucionário. De qualquer forma não podemos deixar passar a chance de conseguir conquistas para o povo além da troca do grupo que está no poder.

Pra não dizer que não falei das flores. Parte II

Quando vejo o que estamos passando hoje parece que se passa um filme na minha cabeça, com cenas do que aconteceu em junho de 2013.

Na época os protestos contra a tarifa do transporte coletivo ocorreram puxados pelo Movimento Passe Livre e começaram em São Paulo. A grande mídia evitava mostrar imagens que dessem a dimensão de quantas pessoas estavam nas ruas, faziam closes que induziam as pessoas a acharem que se tratavam de “meia duzia de pessoas”. Quando a PM reprimia, usavam sempre a palavra “confronto” e davam sempre destaque para as vidraças de agências bancárias quebradas, pichações e depredações em geral.

Até que a repressão policial chegou a um ponto tão alto que foi impossível esconder. Jornalistas foram feridos, um deles perdeu um olho com uma bala de borracha da PM. Muita gente se feriu. A coisa explodiu no Brasil todo. E a mídia, aproveitando que o governo no poder não era do seu clube, resolveu mudar a narrativa e chamar as pessoas para as ruas.

Imediatamente as Policias sossegaram. Na mídia as imagens passaram a ser áreas, mostrando a massa. Nunca me esqueço de ter cruzado a pé junto com outras milhares de pessoas a ponte aqui em Florianópolis numa tranquilidade jamais vista em qualquer manifestação de rua que participei.

As manifestações passaram a ser uma geleia difusa de todas as pautas possíveis. Tod@s queriam levar sua pauta para a rua. Havia um grande desejo de mudanças positivas: reforma politica, combate a corrupção, passe livre, melhores serviços públicos.

O governo federal e setores partidários da esquerda se fecharam num casulo, subiram num pedestal e deixaram as manifestações serem engolidas pelas pautas da direita, que começou a se organizar naqueles dias (MBL, Revoltados Online etc). Os movimentos autônomos, com medo, também tiraram o time de campo, mostrando uma certa limitação das pautas mais especificas.

2016 é um tanto diferente mas guarda algumas semelhanças. Novamente a mídia dá destaque para os atos de depredação apenas. A repressão policial é intensa e o próprio Golpísta Mor, Temer, fala em meia duzia de pessoas quebrando tudo. Tentam novamente esconder que milhares de pessoas já foram as ruas em dezenas de cidade do país.

A diferença é que agora a mídia está ao lado do governo. Só vão mudar a narrativa se a coisa sair do controle de vez. A diferença também é que o país está mais dividido do que nunca. Nos últimos anos sentimos um crescimento muito grande do ódio politico, de movimentos de inclinação fascista com ídolos com representação politica no congresso.

Também temos como diferença uma união das esquerdas, partidárias ou não contra um inimigo comum: Temer, que simboliza o golpe e a retirada de direitos. Aglutinando pautas libertadoras com a LGBT, feministas, e a luta pela ampliação dos direitos sociais e contra a repressão policial.

O que vai ser de tudo isso só depende da gente. Nas ruas, nos locais de trabalho, em nossas famílias. Debater, se organizar, ir pra rua, ir para luta.

Com a primavera nos dentes e rebeldia nos nossos corações!

“Quem tem consciência pra se ter coragem
Quem tem a força de saber que existe
E no centro da própria engrenagem
Inventa contra a mola que resiste

Quem não vacila mesmo derrotado
Quem já perdido nunca desespera
E envolto em tempestade, decepado
Entre os dentes segura a primavera”
Primavera Nos Dentes – Secos & Molhados

 

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Relato do ato Fora Temer e da brutalidade da PM do estado de SC (02/09/16)

Por Mariana Rosa, Jornalista, via Facebook.

A conduta da Polícia Militar de Santa Catarina durante o ato de ontem na ligação da Crispim Mira com a avenida Mauro Ramos foi de uma irresponsabilidade sem tamanho que poderia ter terminado em tragédia.

Um apelo aos colegas jornalistas que trabalham nas redações da cidade: apurem esta história mais a fundo. Entrevistem quem estava presente, questionem o comando da PM e a Secretaria de Segurança Pública: por que impediram o acesso a avenida beira-mar norte, às 21h, em uma noite sem trânsito nenhum? Por que avaliaram que seria uma boa ideia encurralar milhares de pessoas em uma rua estreita como aquela, lançando na direção delas várias bombas de efeito moral? Por que impediram a dispersão pela rua Ferreira Lima, que era o ponto mais próximo dos manifestantes que ainda estavam lá?

Aqui o meu depoimento sobre ontem:

Acompanhei a manifestação desde o início até este ponto. Milhares de pessoas chegaram na rua Tenente Silveira (estima-se que eram entre 7 e 10 mil) após sair da alfândega e passar pelo calçadão. Neste momento eu era uma das últimas, perto de mim várias famílias com crianças acompanhavam a caminhada, entre elas este pai com o menino na bicicleta da foto que postei ontem.

Seguimos até a avenida Rio Branco, negociando o trecho com a polícia a cada nova rua. Chegando na Praça dos Bombeiros, houve uma pausa, todos sentaram e houve um jogral (que todo o grupo que estava mais no final, como eu, não conseguiu ouvir). Levantamos e seguimos pela rua Crispim Mira em direção a avenida Mauro Ramos. Alguns minutos depois já era possível ver lá de cima da rua policiais na Mauro Ramos lançando jatos (que eu acho que eram de spray de pimenta). Em seguida, um foco de fogo e confronto entre a polícia e algumas pessoas que se destacaram do grupo, enquanto todo o resto seguia parado aguardando a liberação do caminho.

Como bem relatou o colega Kadu Reis na cobertura ao vivo pela CBN, o grupo que revidou/atacou (há relatos divergentes sobre quem começou, eles ou a polícia) era muito pequeno em relação ao total dos milhares de manifestantes que seguiam concentrados na Crispim Mira. E o que aconteceu a partir daí? A polícia jogou diversas bombas de efeito moral na nossa direção, estando todos nós amontoados em uma rua estreita como aquela. Quem estava já na Mauro Ramos tinha como sair pela Hercílio Luz (algumas pessoas fizeram isso), mas para quem estava mais ou menos na metade da rua (o que era a maioria das pessoas, e eram muitas mesmo após a dispersão de cerca de metade) a saída mais próxima era um acesso lateral (a rua Urbano Salles) para a rua Ferreira Lima.

Este acesso estava bloqueado por uma fileira de policiais que ameaçavam quem tentasse se aproximar. Vi cerca de quatro pessoas correndo abaixadas com as mãos pra cima e eles, apontando as espingardas de bala de borracha, gritando que deveriam se afastar. Bombas continuavam sendo lançadas na Crispim Mira e houve muitos momentos de pânico, as pessoas correndo de um lado para o outro. Alguém poderia, certamente, ter sido pisoteado. Por sorte e empenho de pessoas que acalmavam o grupo pedindo para não correr e manter a calma, isso não aconteceu.

Fiquei em pânico com a possibilidade de uma tragédia ali (o fogo continuava na Mauro Ramos, bastante próximo ao posto de gasolina), decidi ir embora do jeito que desse. Ainda havia muito gás e correria na Crispim Mira, caminhei pela calçada dessa rua lateral em direção a Ferreira Lima de mãos dadas com meu pai, que havia me encontrado na manifestação minutos antes do início da confusão lá embaixo. Chegando perto dos policiais (havia um espaço entre a barreira deles e a calçada) o que estava na ponta apontou a espingarda pra gente e disse que não podíamos ir por ali, a gente podia passar, mas tinha que ir em direção ao outro lado. “Anda, vai logo!”, gritou ele ainda com a espingarda levantada. Antes, durante a travessia até a barreira, moradores de um prédio da rua jogaram cebolas na nossa direção e nenhum policial repreendeu, apenas observaram.

Passada a barreira deles, vi, na esquina da Ferreira Lima, um policial sem espingarda que olhava a cena na Crispim Mira com o que me pareceu ser perplexidade. Andei até ele e fiz um apelo pra que liberassem aquele acesso a todos, já que havia ainda milhares de pessoas ali e a rua era estreita demais para dispersar com todas aquelas bombas gerando correria. Antes que ele pudesse responder, outro policial (armado e de máscara preta) interrompeu e disse, entre outras coisas, que eu precisava selecionar melhor minhas companhias.

Dei a volta na quadra e voltei para a Praça dos Bombeiros pra ver se alguém precisava de ajuda. Quando cheguei lá os manifestantes subiam a Crispim Mira caminhando, a maioria com as mãos para cima, muitos chorando. Em seguida, mais bombas (ouvi pelo menos três) fizeram que todos recuassem e voltassem correndo pela praça. Corremos também e, em seguida, fomos embora. Não me machuquei em nenhum momento, mas desci a praça chorando, perplexa com o desfecho de uma manifestação que começou tão bonita.

Em todo o caminho até esse ponto da confusão, não vi lixo ser queimado nem depredação – o “vandalismo” se limitou a pichação, o que eu não considero violento de nenhuma forma. Na volta vi que em toda a Hercílio Luz havia lixo queimado, assim como em outras ruas do centro por onde a passeata não esteve. Ouvi relatos de que após o confronto um grupo pequeno que estava na manifestação saiu queimando tudo.

Evidentemente, eles não me representam. Nem aos milhares que tomaram a Tenente Silveira como vemos nas fotos históricas que estão circulando aqui.

A polícia tem uma campanha que diz algo como “Apoie quem te protege”. Eu digo: Proteja quem luta pelos nossos direitos. #maisamorporfavor#semviolência #ForaTemer #DiretasJá

Pra não dizer que não falei das flores

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Ontem parecia um dia normal, como qualquer outro. Lá fora fazia um tempo confortável, a vigilância cuidava do normal, os automóveis ouviam a notícia que os homens publicaram no jornal.

Dilma Roussef deixava de ser presidenta do Brasil e Temer assumia o cargo. Votação folgada pelos senadores. A razão: abertura de crédito suplementar sem aprovação do congresso. Fiquei imaginando como explicar para os meus futuros filhos e netos o que seria isso, afinal não se trata de assunto fácil. Imagino que para os que apoiaram todo o impeachment não vai ser fácil explicar também, pelo menos não sem utilizar argumentos que não estão no processo, tais como “Petrolão”, crise econômica, ameaça comunista, falta de carisma, “aquela vaca” e por aí vai. Claro a mídia facilita criando o termo “Pedalada”, mas quero ver explicar o porque quase todos os ex-presidentes e os governadores de 17 estados não vão ser derrubados pelo mesmo motivo.

De qualquer forma também me passou pela cabeça como explicariam o fato de um congresso mais sujo que pau de galinheiro, com Eduardo Cunha como um dos principais articuladores, ter conduzido o processo na maior normalidade. Será que vão lembrar daquela primeira votação na Câmara, onde ficou claro o baixo nível moral e intelectual daqueles que comandam o país?

Será que vão lembrar de como muita gente embarcou na cruzada da limpeza moral e ética do país através de uma operação jurídica e midiática? Lembrarão que estas pessoas SUMIRAM das ruas depois que o impeachment já estava dado como certo, mesmo depois de inúmeras denúncias de corrupção contra o núcleo do governo Temer?

Lembrarão que os cruzados da Lava a Jato não “conduziram coercitivamente” nenhum figurão do PMDB? Lembrarão que misteriosamente as operações desta “cruzada contra a corrupção” aconteceram sincronizadinhas com os momentos políticos ótimos para ferrar ainda mais com o governo derrubado?

Se recordarão que as manifestações de verde-amarelo foram acompanhadas ao vivo com cobertura nacional enquanto as manifestações “vermelhinhas” tiveram apenas pequenos flashes de exposição na mídia, muitas vezes com repressão policial?

Acho que não. Mas pouco me importa. Aprendi a duras penas a tomar posição na vida. E ontem vi nas ruas que muita gente pensa como eu e estão dispostas a ir até as últimas consequências para não deixar este governo ilegítimo e golpista ferrar com as suadas e tímidas conquistas que tivemos em nossa recente e precária democracia.

Este governo simboliza tudo que a de PIOR na politica do país. E sim, o PT governou ao longo de muitos anos ao lado dele. Mas não estou falando do PT. Prefiro não falar dos mortos, Mas quero sim falar das flores que começaram a brotar no meu quintal.

Na porta da minha casa uma orquídea começou a florescer. Sinal que a estação está mudando. Nas ruas vi uma juventude combativa que não tolera esse sistema politico e econômico que governa para 1% da população. Uma juventude avessa a hierarquias e a politica tradicional dita “democrática”. Que carrega no peito as sementes dos protestos de 2013.

Em um ano de tantas perdas é preciso ter esperança, e regar as flores dos mortos para que algo novo possa crescer!

E para isto não é hora de luto. É hora de luta!

“Carregamos um mundo novo em nossos corações, que cresce a cada instante. Neste exato instante ele está crescendo”
Buenaventura Durruti. Anarquista Espanhol.

Festival Netuno Rock Beneficente de inverno para os povos indígenas de SC (28/08)

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Festival beneficente para angariar donativos (alimentos e agasalhos) para os Povos Indígenas de Santa Catarina, em parceria com o Cepin Sst (Conselho Estadual dos Povos Indígenas).

Onde? Célula. João Paulo.

Quando:
28 de agosto das 17 às 22 horas

Quanto?
O ingresso são 2 kg de alimentos e 1 agasalho em bom estado ou poderão ser 3 kg de alimentos também.

Mais informações em: https://www.facebook.com/events/535932983264928/

2º Seminário de Integração Metropolitana do Transporte Coletivo (30/08)

O *Fórum da Bacia do Itacorubi* informa e convida para o 2º Seminário de
Integração Metropolitana do Transporte Coletivo, organizado pelo
Observatório da Mobilidade Urbana/UFSC.
Data: 30/08, 3ª feira,

Hora: das 13h30 às 17h30,

Local: Associação dos Municípios da Grande Florianópolis – GRANFPOLIS

Rua Cândido Ramos, 250 – Capoeiras, Florianópolis .
“Estamos diante de uma oportunidade ímpar de transformar o sistema de
transporte coletivo da Grande Florianópolis, tornando-o muito mais atrativo
para todos. Neste seminário, iremos apresentar as propostas formuladas até
o momento e debatê-las com representantes de órgãos públicos, de entidades
da sociedade civil, com profissionais da área e com a população em geral”,
afirma Werner Kraus Jr., coordenador do Observatório.

23082016 Release Seminário II
Informações adicionais no anexo.

Abertura da Tenda da Democracia – 25/08 15h

“Como o Golpe de Estado se manifesta no cotidiano da população brasileira?”

A “Tenda da Democracia” é a experiência de instalação de uma tenda no Largo da Alfândega, Centro de Florianópolis, que sirva como ponto de referência para o desenvolvimento de AÇÕES políticas, culturais, artísticas e formativas de RESISTÊNCIA contra o Golpe de Estado instaurado no País e, que faça contraponto às informações disseminadas pelo monopólio da mídia golpista, num diálogo direto com a sociedade.

Está aberta à participação de organizações populares e pessoas que aderirem à “Carta de Princípios”.

Venha Junto!

É só chegar!

O ato da população em situação de rua em São José transferido para quarta 24/08/16

O ato da população em situação de rua em São José não aconteceu semana passada por conta da chuva, mas foi transferido para essa quarta-feira, 11h, saída em frente ao Centro Pop – São José.

Todo apoio e presença de pessoas, movimentos e entidades é importante para dar força às reivindicações por abrigo, oportunidade de trabalho, fim da violência policial e institucional, etc.

O ato também é memória pelo Massacre da Praça da Sé, onde moradores de rua foram mortos por grupos de extermínio em SP.