Servidor do CMI da Alemanha é apreendido

Na semana passada uma forte onda de repressão contra movimentos sociais foi deflagrada em diversos países da Europa Ocidental. Essa medida foi em grande parte uma resposta às grandes manifestações que ocorreram na cidade de Hamburgo, Alemanha, durante o encontro anual do G20 que aconteceu em julho desse ano. Como parte dessas ações de repressão, houveram invasões em centros sociais, detenções e apreensão de equipamentos em diversos países. Na Alemanha a polícia apreendeu os servidores do site linksunten.indymedia.org, o principal coletivo de midia independente da Alemanha. Como muitos dos sites do IndyMedia.org ao redor do mundo, o site era um importante ponto de divulgação de manifestações e eventos, vazamento e difusão de informações e plataforma de debate e organização. Em comunicado o coletivo promete retornar em breve. Leia artigo que saiu originalmente no site do Centro de Midia Independente daqui:

O governo alemão proibiu o site do coletivo Indymedia Linksunten linksunten.indymedia.org, a plataforma de língua alemã mais utilizada por organizações políticas radicais. Eles também realizaram batidas na cidade de Freiburg para apreender computadores e perseguir aqueles que acusam de administrar o site, absurdamente justificando isso com base na acusação de que os supostos adminstradores são parte de uma organização ilegal com o objetivo de destruir a Constituição Alemã. Isso representa uma escalada maciça na repressão estatal contra o que as autoridades chamam de “extremismo de esquerda”, sugerindo, de forma nada ingenua, uma equivalência entre aqueles que procuram construir comunidades fora do alcance da violência estatal e neonazistas se organizando para realizar ataques e assassinatos como o de Charlottesville na semana passada.

Indymedia foi fundado na Alemanha em 2001 como de.indymedia.org; uma segunda versão apareceu em 2008 como linksunten.indymedia.org. Este último foi fundado para se concentrar em ações políticas radicais no sul da Alemanha, mas logo se tornou a página mais utilizada para ativistas de língua alemã. Como a página original do Indymedia alemão tornou-se tecnicamente desatualizada e inundada por trolling, mais e mais pessoas mudaram para o linksunten.indymedia.org. Em 2013, de.indymedia.org estava quase fechado porque não havia pessoas suficientes envolvidas .

Nos últimos dois anos, mais e mais atenção se acumulou em torno de linksunten, que oferece um espaço para que as pessoas postem anonimamente. Por exemplo, em 2011, um comunicado apareceu na plataforma reivindicando a responsabilidade por sabotagem politicamente motivada na infra-estrutura do metrô em Berlim. O site também foi usado para divulgar informações sobre fascistas e neonazis. Em 2016, um artigo no linksunten apresentou os dados completos de cada participante na convenção do Partido Nacionalista de extrema direita Alternativa para a Alemanha ( Alternative für Deutschland ou AfD), um total de 3000 nomes. Isso atraiu ainda mais a atenção hostil dos defensores de extrema-direita da repressão estatal.

Antes do encontro do G20 de 2017 ter ocorrido em Hamburgo, a mídia corporativa já estava focada em linksunten, declarando que a página servia como coordenação de manifestantes anti-G20. O AfD começou uma campanha contra a plataforma, levando inquéritos sobre o Indymedia no parlamento federal e tentando forçar os governos locais a proibirem a plataforma e outras formas de infra-estrutura radical .

Tudo isso contribuiu para atual situação em que o Ministro do Interior Thomas de Maizière proibiu o site em 25 de agosto, imediatamente antes das eleições. O Estado invadiu três lugares, incluindo um centro social, em Freiburg, tornando toda a cidade sitiada neste dia. Durante as incursões, eles supostamente encontraram alguns estilingues e paus, que agora estão usando como justificativa adicional para sua propaganda sobre o terrorismo .

Na verdade, Thomas de Maizière está seguindo a agenda da extrema direita e fascistas alemães, bem como os objetivos repressivos do AfD.

Claro que aqueles que mantêm o site não escreveram nada que pudesse oferecer motivos legais para este ataque. Mesmo as plataformas de mídia corporativa oferecem espaço para que as pessoas falem anonimamente – por exemplo, quando membros do Departamento de Estado falam com a imprensa sob condição de anonimato. A desculpa que o Estado está usando para justificar este ataque é declarar que aqueles que mantêm o site de linksunten são uma organização criminosa destinada a destruir a Constituição Alemã. Este é um subterfugio legal. Se for bem sucedido, poderá ser facilmente usado contra outras plataformas, revistas e projetos, fazendo com que todos divulgando literatura e ideias radicais e documentando ativismo e movimentos sociais se tornem alvos desse tipo de repressão e violência estatal. Essa é a mensagem que eles querem enviar, a fim de intimidar toda a população a aceitar que a atual ordem política na Alemanha persistirá até o fim dos tempos.

Esta abordagem agressiva mostra o quão amedrontadas as autoridades estão, que ideias radicais estão se espalhando e tornando-se contagiosas após as demonstrações bem-sucedidas contra a cúpula do G20 em julho. Thomas de Maizière deixou claro o suficiente na sua coletiva de imprensa que essa agressão à Indymedia é uma forma de vingança pelo constrangimento que o Estado sofreu durante a cúpula. Isso também mostra como a retórica de extrema direita e estatista é desonesta sobre a liberdade de expressãona verdade, esses hipócritas usam esse discurso somente para reprimir o discurso dos outros. A solução para os fascistas se organizando não é capacitar o Estado para censurar o discurso, mas mobilizar a população em geral contra os fascistas e contra a infra-estrutura estatal que a extrema direita pretende assumir.

Na Alemanha e em todo o mundo, precisamos de teoria e prática radicais; precisamos de espaços onde as pessoas possam se comunicar anonimamente, de modo a não serem intimidadas pelas ameaças duplas da repressão estatal e da violência fascista de base. Para entender movimentos e lutas sociais, para que nossa noção de história não seja varrida em uma torrente de efemeridades, precisamos de repositórios que preservem as comunicações e as contas. Como um autor uma vez disse, a luta da humanidade contra o poder autoritário é a luta da memória contra o esquecimento. Para lutar contra essa repressão autoritária, agora é mais importante do que nunca divulgar material e ideias revolucionárias em todos os lugares e provocar formas alternativas de se comunicar entre si e com o público em geral em tempos de intensificação da censura e do controle estatal. Quanto mais cada um de nós assumir um papel pessoal nessa tarefa, mais descentralizadas e resilientes serão nossas redes.

Se eles vierem por nós esta noite, você pode ter certeza de que virão por você pela manhã.

O ataque ao Indymedia faz parte de uma ofensiva muito maior contra as estruturas radicais. Em Hamburgo, mais de 30 pessoas estão presas desde o encontro do G20 em julho – apoie aqui! . Quanto ao Indymedia, em breve haverá páginas de apoio também. Nós as publicaremos aqui quando aparecerem.

Postscript animador

Quando visitamos o linksunten.indymedia.org depois do post original deste artigo, nós encontramos a seguinte mensagem, junto com o link para o artigo originalmente publicado no Crimethinc e uma imagem fazendo referência ao efeito Streisand, o processo onde os esforços para censurar informações causa sua difusão ainda mais agressiva. O texto desapareceu deste então, mas comprova que pessoas foram capazes de recobrar o controle do domínio, pelo menos por um período. O original estava em alemão, francês e inglês. Esta é uma tradução em português.

[nota da tradução em português: o texto, conforme publicado em https://enoughisenough14.org/2017/08/26/linksunten-we-will-be-back-soon-greetz-from-streisand/ aponta o texto como partes da Declaração de Independência do Espaço Cibernético, escrita por John Perry Barlow em 1996, declaração completa em inglês aqui: https://www.eff.org/de/cyberspace-independence].

Voltamos logo….

Governos do Mundo Industrial, seus cansados gigantes de carne e aço, eu venho do Ciberespaço, o novo lar da Mente. Em nome do futuro, eu exijo a vocês do passado para nos deixar em paz. Vocês não são bem-vindos entre nós. Vocês não possuem soberania onde nos reunimos.

Não temos um governo eleito, nem mesmo é provável que tenhamos um, portanto eu me dirijo a vocês sem autoridade maior do que aquela com a qual a liberdade em si sempre se manifesta. Declaro o espaço social global que estamos construindo naturalmente independente das tiranias que buscam nos impor. Vocês não tem direito moral de nos reger nem possuem nenhum método de repressão que tenhamos verdadeira razão para temer.

Governos derivam seus poderes justamente do consentimento dos governados. Vocês nem solicitaram ou receberam o nosso. Nós não convidamos vocês. Vocês não nos conhecem, nem conhecem o nosso mundo. O Ciberespaço não se limita às suas fronteiras. Não pensem que vocês podem construí-lo, como se fosse um projeto de construção pública. Vocês não podem. É uma força da natureza, e ela cresce através das nossas ações coletivas.

[….]

Na China, Alemanha, França, Rússia, Singapura, Itália e EUA, vocês estão tentando repelir o vírus da liberdade erguendo postos de guarda nas fronteiras do Ciberespaço. Isso pode manter o contágio afastado por um curto tempo, mas eles não funcionarão em um mundo que em breve será coberto por bits.

[….]

Estas crescentes medidas hostis e coloniais nos colocam na mesma posição dos antigos amantes da liberdade e auto-determinação que tiveram que rejeitar as autoridades do passado, poderes desinformados. Precisamos declarar nossos seres virtuais imunes a sua soberania, mesmo que continuemos a consentir com sua regulação dos nossos corpos. Vamos nos espalhar através do Planeta para que ninguém possa prender nossas ideias.

[….]

Texto originalmente publicado por CrimethInc em https://crimethinc.com/2017/08/25/german-government-shuts-down-indymedia…

# Educação – Entrevista com professor Eduardo (replicação)

eduardo.perondi Texto de Elaine Tavares

Luta por escola mostra o autoritarismo do governo de Santa Catarina

Quatro professores da rede estadual estão afastados de suas funções de ensino, respondendo processo administrativo, pelo simples fato de que se colocaram junto à comunidade do sul da ilha, em Florianópolis, na defesa de uma escola capaz de abrigar alunos e professores com um mínimo de qualidade.  
 
A história começa na Escola João Gonçalves Pinheiro, que fica no bairro Rio Tavares, desde há muitos anos sucateada e em precárias condições.  Infiltrações, esgoto à céu aberto,  estrutura desmoronando, falta de espaço para novos alunos e consequente falta de vagas.  A situação gerou lutas na comunidade e o governo prometeu uma escola nova, que deveria ter sido concluída em 2010. Não foi. O prédio custou a subir e quando subiu veio com um problema adicional. A escola nova ficaria colada ao terminal de ônibus do Rio Tavares. É que quando o projeto foi criado ali não havia o terminal e ninguém poderia prever que as janelas das salas de aula ficariam voltadas para as plataformas.  Os argumentos foram levantados, mas ninguém foi ouvido. Não houve mudança no projeto e a escola começou a ser erguida conforme o projeto original. Tudo bem, esse seria um problema para ser pensado no futuro.
 
Mas, as coisas começaram a demorar. A obra seguia lentamente e nada de terminar. Por outro lado, o velho colégio  se deteriorava, a ponto de ser praticamente um perigo estar ali dentro. Pais, alunos e professores começaram a se mobilizar. Fizeram reuniões, manifestos, protestos, exigindo que o governo apressasse o andar das obras, visto que o tempo passava e nada de prédio novo. Passaram-se quatro ano anos e nada, No final de 2013, a movimentação voltou a crescer dentro da escola. Novas reuniões, assembleias, manifestos. Ou o governo terminava a escola ou as atividades na João Gonçalves Pinheiro iriam parar. 
 
Quando o ano letivo de 2014 começou a nova escola não estava pronta. Mais uma vez os pais e reuniram e decidiram que não enviariam os filhos para a escola velha. Ou o governo entregava o prédio, ou teria que arcar com o ônus de impedir  - por absoluta falta de condições – o ensino de mais de 600 crianças e adolescentes. Os professores da escola, que participaram de todo o processo, concordaram em acatar a decisão da comunidade que se fez representar maciçamente nas reuniões. E é aí nesse ponto que começa a ação autoritária do governo de Raimundo Colombo, bem como do Ministério Público.
 
Rebelião de pais e alunos
 
Com a decisão dos pais em não enviar os filhos para a escola o ano letivo não começou na Escola João Gonçalves Pinheiro, provocando a reação do governo. Mas, em vez de dar aos alunos e pais a segurança de um espaço capaz de viabilizar o ensino com qualidade, a Secretaria de Educação pediu a intervenção do Ministério Público. Esse, em vez de exigir do governo a escola – que já atrasava em quatro anos  - ameaçou os pais. Caso não enviassem os filhos para a escola, seriam processados. Não bastasse isso, o governo estadual decidiu destituir a direção da escola, que compartilhava da decisão dos pais, e nomeou dois interventores. 
 
Só esses fatos já seriam dignos de repúdio, uma vez que as famílias e os professores estavam querendo garantir o cumprimento da promessa feita pelo governo, bem como proteger os alunos. Mas as coisas ainda ficaram piores. Tão logo chegaram os interventores, eles decidiram por “cortar a cabeça” dos professores que seguiam denunciando o golpe dado na democracia escolar e comunitária. Assim, enquadraram quatro deles em um processo administrativo e proibiram os mesmos de darem aula até que o processo termine. “O que nós estávamos fazendo era dar consequência a uma decisão da comunidade. Não foi coisa da nossa cabeça. Os pais se reuniram várias vezes, discutiram muito. Teve assembleia com até 300 pais, foi muito representativo. Eles não queriam que os filhos seguissem em risco na escola velha. Essa decisão tinha de ser respeitada. Mas, o governo preferiu punir os professores que estavam apenas lutando por melhorias e por mais vagas. Um golpe na democracia”, argumenta o professor Eduardo Perondi, um dos processados. “Na verdade, eles quiseram desmobilizar as pessoas para que ninguém mais reclamasse  do autoritarismo instalado ali”. 
 
Só que, como sempre acontece, os poderosos negam, acusam, prendem, punem e, depois, acabam tendo de fazer exatamente aquilo que as pessoas em luta demandaram. E foi assim que, finalmente aconteceu a mudança para a nova escola, ainda que o prédio não esteja totalmente pronto. Por outro lado, seguem atuando os interventores e seguem processados os professores. A nova escola já apresenta suas debilidades. As salas de aula estão voltadas para o terminal de ônibus e os alunos enfrentam o barulho, a poluição e a falta de atenção. Eduardo acredita que esses problemas terão consequências no processo pedagógico, mas avalia que devem ser enfrentados no debate democrático, na parceria com os pais. A comunidade mostrou que está preocupada com o ensino dos filhos e é certo que continuarão a acompanhar. A escola nova, por si só, não garante o bom ensino. E, essa, em particular, tem sido um bom exemplo para mostrar como atua o poder instituído, como a comunidade não é respeitada nas suas decisões. De certa forma, é pedagógico. 
 
Os professores, processados por lutarem pelo direitos dos alunos esperam que a comunidade esteja junto no acompanhamento do processo e que, igualmente, não aceite esse ato arbitrário e fora de propósito.  Justamente no ano em que se lembra os 50 anos do início do tenebroso período do regime militar, marcado pelo autoritarismo, violência e completa falta de democracia, é quase um despropósito que esses educadores sejam afastados de suas atividades justamente por acompanharem uma decisão democrática dos pais dos alunos. 
 

E essas são as histórias que se escondem atrás dos muros das escolas estaduais, sem que a imprensa comercial divulgue uma linha. Basta que a comunidade se levante em luta, que professores se aliem aos desejos de pais e alunos por uma escola digna, que lá vem o estado, aplastando tudo. A educação segue sendo um privilégio de poucos… Aos empobrecidos, sobram as migalhas, a violência, o autoritarismo e abafamento das ilusões.
Fonte: http://eteia.blogspot.com.br/2014/05/luta-por-escola-mostra-o-autoritarismo.html